quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Postado por Leandro Del Tedesco Ás 22:50



Era natal...
Não sei exatamente o motivo,mas tenho certeza que o natal só me traz tristeza.
A época da reunião familiar,do amor ao próximo e da troca de embrulhos nunca contagiou meu coração.
O natal é gol contra !
Não ter papai me ladeando e nem financiando os impulsos varejistas da mamãe agravam minha ojeriza ao jingle bell.
O pessoal da Vila Ideal se contorce para entrar no clima.Acredita que tem descarado que esquece até de honrar as dívidas quando ouve os passos do trenó ?
Juro !
É só vadiar pelas vielas para se maravilhar com os casebres enfeitados,as luzes piscando exaltadas e as miudezas agarradas nos pinheiros secos.
Minha angústia é indisfarçável.
Tenho o dote de clicar a data sempre em seu pior ângulo.
No último níver de Cristo recebi uma proposta empregatícia do shopping Karçakurta que me forçou à encarar a folia e imitar Santa Claus.
O nobre ofício consistia em abrilhantar os olhinhos ingênuos,dar-lhes esperança e colaborar para a felicidade geral...do patrão.
Os sonhos eram semelhantes.Meninos pediram playstation e as meninas queriam ser modelo.Vez em quando uma criança me surpreendia puxando minha barba ou colando meleca no meu manto.
Era uma fábula !
Na véspera da festa,estupidamente estressado,avesso aos sinos e sacolas,submisso à ostentação,avistei um menino magrelo e mal trajado padecendo em uma cadeira de rodas.
Esmolava moedas.
Fitei-o por um longo tempo.Percebi que os transeuntes desprezavam a frágil figura.
Ele era invisível.
Aqueles que lhe lançavam migalhas não agiam com benevolência,mas unicamente para desfrutar da sensação delirante de superioridade ante o flagelo alheio.
Cadê Jesus ?
-Qual é o seu nome filho ?
-Me chamo...Leon.
O coitado estava afogado em complexos.
O traje típico me ajudou a cativar o garoto.Leon me revelou que tinha sete anos,desconhecia o pai e que a mãe trabalhava de faxineira defronte ao shopping.
Déjà vu !
Papeamos longamente até o gerente do estabelecimento intervir e ordenar aos seguranças a deportação do guri.
-Ô pivete,se manda !
-Peraí !-comprei a briga...fiado.
Armei um barraco no hall do castelo,motivando meu chefe a me maltratar.
-Fora daqui os dois !-sugeriu meigamente.
Enquanto saíamos,por livre e espontânea pressão,observamos a pose das madames,ornamentadas com joias folheadas.Atentamos também para os engravatados emitindo pré-datados para mimar a prole.
Minha tia Luzia sempre dizia que "Em algum momento da vida os tolos e todo o seu dinheiro terão que se despedir um do outro".
É vero !
O Leon garimpou uns trocados que havia esmolado e comprou um panetone no Bar Salutar.Levei-o até a praça onde pequenos e pequenas purificavam as almas banhando-se no chafariz.
Eles cearam conosco.
Todos,tal qual o Leon,desfilavam figurinos desprezíveis que contrastavam com a pompa do período e harmonizavam com o pesar de seus semblantes.
O tesouro deles ficava por dentro.
"O dinheiro tem o dom de apartar a realeza do bagaço social".
À noite as crianças improvisaram uma bola e brincaram de futebol no canteiro da praça.
Jogavam para fintar a fome !
Eu,ainda vestido de Noel e o Leon despido do sentimento de inferioridade que por tanto tempo trajara.
Os peraltas corriam descalços numa sinfonia de sorrisos idealizada por qualquer maestro.Fizeram uma ciranda ao redor do Leon roubando-lhe um riso raro.
Ele não podia chutar,mas agarrava a bola entusiasmado,encantando a todos.
"Heróis existem".
Antes de ir para casa meu novo amigo fez questão de me abraçar:
-Feliz Natal...Papai Noel.
Chorei.
Um ano depois...Leon morreu vítima de uma doença incurável.
"Deus tava precisando de um goleiro no time do Céu".

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